Qualidade e participação: inter-relações e desfasamentos
O tema desta comunicação remete para o conjunto de pressupostos subjacentes às políticas relativas à construção do Espaço Europeu do Ensino Superior (EHEA) e à sua concretização em Portugal, procurando discutir alguns dos desfasamentos verificados quanto à participação dos atores políticos. Na atualidade, o ensino superior em Portugal apresenta dois traços dominantes: a multiplicidade de níveis de decisão e de controlo e a coexistência de diferentes modelos de governação. Por um lado, o Processo de Bolonha (PB) e a construção do EHEA ocorrem ao nível supranacional. Tais processos, eles próprios influenciados pelo contexto internacional das políticas europeias, consubstanciam uma ação pública caracterizada por métodos de governança soft, como o Método Aberto de Coordenação e têm efeitos fortemente constrangedores nas políticas nacionais. Por outro lado, a governança soft do PB, em Portugal, continua a precisar da legitimação das instituições democraticamente constituídas com base no voto popular. Assim, a concretização do PB necessitou sempre de legislação de suporte para se efetivar, assentando num modelo de governação convencional, hierárquico/verticalizado e centralizado, ainda que convivendo com espaços de ação pública e regulação soft, numa configuração que se pode designar de governação híbrida.
No que concerne particularmente à garantia da qualidade, os European Standards Guidelines for Quality Assurance (ESG 2015) constituem o quadro e o guia para a qualidade no EHEA. Os ESG foram definidos no âmbito do Processo de Bolonha com a participação de representantes dos professores e dos estudantes, juntamente com outros stakeholders (Grupo E4). A perspetiva da garantia da qualidade dos ESG é de que a qualidade é definida em cada contexto, em função das perspetivas dos stakeholders em presença, e de que os estudantes são stakeholders não só na governação, mas também nos próprios processos da sua formação. Esta perspetiva incorpora um paradigma educativo inovador no panorama do ensino superior em Portugal que tem sido central nas políticas de concretização do PB. Quer a perspetiva da qualidade quer o paradigma de formação, que coloca a tónica em quem aprende, invocam a participação como conceito central. Concebendo a participação como a capacidade de intervir na tomada de decisão, a pergunta é: em que medida o quadro normativo português é consonante com estas perspetivas e promove condições reais de participação?
EHEA; Processo de Bolonha; governação; qualidade; participação